(...)
- Nunca reparaste que há certas coisas que nós já vimos muitas vezes e que de vez em quando é como se fosse a primeira?
- Nunca reparei - disse a rapariga.
- Nunca ficaste a olhar o mar muito tempo?
- Sim, já fiquei.
- Ou o lume de um fogão? - disse o rapaz.
- E que queres dizer com isso?
- Ou uma flor. OU ouvir um pássaro cantar.
- Sim, sim.
- Não há nada mais igual do que o mar ou o lume ou uma flor. Ou um pássaro. E a gente não se cansa de os ver ou ouvir. Só é preciso que se esteja disposto para achar diferença nessa igualdade. Posso olhar o mar e não reparar nele, porque já o vi. Mas posso estar horas a olhar e não me cansar da sua monotonia.
O rapaz tinha o olhar absorto na extensão das águas e permaneceu calado algum tempo. As águas brilhavam com o reflexo do sol na agitação breve das ondas.
(...)
Vergílio Ferreira "Uma esplanada sobre o mar"
February 18, 2011
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